sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Não é pelo shortinho

Por Ludmila R. Carvalho



Não é pelo shortinho.

Ou na verdade, é. Mas é também pela legging, pela blusa decotada, de alcinha, transparente, com sutiã aparecendo, pelo vestido curo, justo, pela minissaia, pela saia rodada, pela saia que agora automaticamente deve vir com um shortinho por baixo.
É por tudo isso e muito mais.
Na minha época da escola cheguei a ir para a diretoria diversa vezes. Confesso que em algumas,foi porque eu não estava mesmo vestindo o que era exigido como "uniforme": calça e bermuda de cores escuras -ou jeans. Pura afronta, ou desejo de ter uma identidade. Outras vezes porque não estava mesmo com a camiseta da escola. Rebeldia? Talvez, mas também a vergonha de usar a mesma camiseta branca de anos atrás, já gasta e justa, que acentuava meu corpo em transformação e o fato de ser uma das primeiras da turma a usar sutiã. Acabava trocando por camisetas escuras. Ou então, a saída era usar coletes, ou camisas por cima. Xadrez ou pretas. Apesar do calor.
Mas, uma vez, um pouco mais tarde fui mandada para a diretoria e não entendi porque.
Eu estava com uma bermuda preta (de cottom). Uma camiseta branca, que era permitido a quem não tinha a camiseta da escola.
A diferença é que a camiseta era larga, de tecido levinho, e tinha a gola cortada. Por baixo dela eu usava um top preto.
A diretora disse que aquela roupa era indecente, que não era jeito de ir para a escola, que eu podia usar aquela roupa na academia, em casa, na rua, mas não ali. E na  época, eu nem entendi o que tinha de errado.
Pois bem, isso aconteceu há mais de 20 anos, e ainda vejo coisas muito parecidas acontecendo. Diversas histórias que se repetem há tantos anos em cada canto desse país.
Uma garota nos relatou recentemente que a diretora lhe chamou a atenção por estar de legging. E, quando questionou porque, a justificativa foi que os meninos estão em "fase de crescimento" e as meninas não devem ficar "atiçando" eles.
Ora, quer dizer que os meninos não podem ser atiçados, então? E caso o sejam, a culpa é da mulher?
E qual a conseqüência desse atiçamento? A falta de concentração dos alunos, do professor, assédio, estupro?
Não! Isso é o que a cultura do estupro quer que as pessoas pensem. Que homens são seres selvagens que não dão conta de seus impulsos, que podem vir à tona a qualquer momento simplesmente ao vislumbrar uma roupa mais curta, ou justa, ou mesmo um pedacinho do tornozelo, em algumas culturas.
Será que os homens são esses seres incontroláveis mesmo? Será que os assédios e estupros ocorrem só com mulheres que estão vestidas de forma "insinuante". Nesse caso, os países que exigem o uso da burca seria os com menores índices de estupro. Não são.
Entendam, portanto, que não quero com meu texto, ser contra o uso do uniforme, que considero importante tanto em escolas, quanto no trabalho.
Mas, provocar uma reflexão a respeito do machismo e da cultura do estupro que ainda existe na sociedade. Quero me posicionar a favor de todas as meninas que questionam esse machismo ainda presente nas instituições e que lutam, unidas, para acabar cm a cultura do estupro e culpabilização da mulher.

Vai ter shortinho sim!


Não sabe do que estou falando?
Dê uma lida aqui


Publicado também em TPM - Tramado Por Mulheres